Os valores foram calculados a partir de 51 auditorias do DenaSUS, órgão
do Ministério da Saúde.
O governo Lula cobra a devolução de mais de R$ 140 milhões de municípios
por supostas irregularidades envolvendo emendas parlamentares destinadas à
saúde. Municípios do Maranhão concentram a maior parte da verba (R$ 120
milhões) que a gestão federal busca recuperar. Os valores foram calculados a
partir de 51 auditorias do DenaSUS, órgão do Ministério da Saúde.
As apurações apontam que os municípios receberam mais emendas do que
deveriam ao registrarem aumento fictício de consultas, exames e outros
procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). O teto de verba indicada por
parlamentares é definido a partir desses dados.
A maior cobrança do DenaSUS, de R$ 13,4 milhões, é direcionada para
Vitorino Freire (MA), município que é governado por aliados do deputado federal
Juscelino Filho (União Brasil). Ele deixou o posto de ministro das Comunicações
do governo Lula em abril, em meio a acusações de desvio de emendas de obras
públicas.
A auditoria afirma que a prefeitura não comprovou os procedimentos
registrados, incluindo mais de 800 mil consultas declaradas em 2021. O
município tem cerca de 30 mil habitantes.
O valor cobrado é próximo da metade de todos os R$ 27 milhões repassados
pelo Ministério da Saúde para Vitorino Freire em 2024, cifra que inclui
indicações parlamentares.
Já a possibilidade de existir crime envolvendo a gestão de Vitorino
Freire é apurada pela Polícia Federal, que realizou em 2024 a Operação Hygeia.
Os agentes avaliam se os recursos, incluindo emendas de Juscelino, foram
desviados a uma empresa que não teria comprovado a execução dos serviços.
As auditorias também detectaram que parte dos municípios entregou a
terceiros, inclusive pessoas sem vínculo com a prefeitura, senhas de acesso ao
sistema para registrar os dados do SUS. O ex-secretário de saúde do município
de Bom Lugar (MA) disse ao ministério que não sabia manusear o sistema de
registro e que por isso fez contato com Roberto Rodrigues Lima, que já era
“conhecido da administração anterior”.
Roberto Lima foi um dos alvos de operação feita pela PF em 2022 sob
suspeita de inserir dados falsos nos sistemas do SUS para justificar repasses a
uma série de municípios. No mesmo ano, ele constava no sistema do Congresso
como autor de pedidos de distribuição de R$ 36,2 milhões em emendas a cidades
do Maranhão. A segunda maior cobrança do DenaSUS, de R$ 10,3 milhões, é
direcionada a Paulo Ramos (MA).
Entre as razões, está uma suposta transferência não justificada à Center
Med. A empresa é também investigada pela PF num caso levado ao STF após agentes
localizarem diálogos em que um suposto sócio oculto e o deputado federal Cleber
Verde (MDB-MA) mencionariam valores de emendas a municípios.
“Apresentei ao STF as informações que acredito serem esclarecedoras sobre
as emendas mencionadas”, afirmou à Folha o deputado. Cleber Verde disse que as
emendas “foram enviadas para ajudar no atendimento e ampliação das ações de
saúde nos municípios mencionados”.
A Center Med negou irregularidades, disse que não participa da inserção
de dados do SUS e afirmou que foi regularmente contratada para fornecimento de
materiais. O governo federal afirma que R$ 12,19 milhões já foram devolvidos.
Em outros casos, o ministério levou a cobrança ao TCU (Tribunal de Contas da
União) ou ainda avalia novos argumentos dos municípios.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que retomou auditorias presenciais
em 2023 e que atua em conjunto com órgãos de controle. “O total auditado no ano
passado está na ordem de R$ 8 bilhões”, disse a pasta.
Dos 51 relatórios, 23 são de municípios do Maranhão. A Saúde também cobra
R$ 6,8 milhões do Amapá, que não conseguiu comprovar ter feito 720 mil
radiografias de tórax no mesmo ano em hospital com apenas dois aparelhos
funcionando.
São Paulo é o segundo estado com mais auditorias que resultaram em cobrança
de devolução de verba federal. O governo federal tenta recuperar R$ 1,8 milhão
de cinco cidades.
As supostas irregularidades avaliadas pelas auditorias se deram
principalmente de 2019 a 2022, período em que explodiu a verba de emendas nas
mãos do Congresso.
Há também casos, como o de Nova Luzitânia (SP), em que o ministério
entendeu que a produção não foi comprovada de 2018 permitiu ao município
receber R$ 662 mil em verbas irregulares de emendas nos anos seguintes.
Municípios cobrados pelo ministério negam irregularidades e dizem que
aprimoraram o processo de registro dos dados do SUS. A prefeitura de Vitorino
Freire disse que a produção ambulatorial questionada “efetivamente ocorreu” e
citou alta demanda pela pandemia da Covid-19. O município ainda culpa uma
empresa terceirizada por falhas e diz que devolveu à União R$ 4,6 milhões após
acordo com o MPF.
Em nota, o MPF disse que o acordo não impede que a União busque
ressarcimentos adicionais.
O deputado Juscelino Filho disse que o inquérito relacionado à Operação
Hygeia “não guarda qualquer relação” com as suas emendas e que cabe aos
municípios a execução das verbas.
A prefeitura de Caxias (MA) disse que ainda não há decisão sobre o valor
cobrado pela auditoria e que não concorda totalmente com o relatório. Durante a
auditoria, o município disse que a União também era responsável por fiscalizar
os repasses. “Quem autoriza o pagamento desses recursos? Eles não despencam do
universo”, disse o governo municipal para o DenaSUS.
Já Lago dos Rodrigues (MA) declarou que ainda não foi notificado sobre a
cobrança do ministério e culpou a gestão anterior por eventuais
irregularidades. Os outros municípios citados na reportagem não se
manifestaram. Foto: EBC